E depois, como vai ser? - Por #Joaquim Marques
Todos nós assistimos a filmes de ficção científica, que nos encantaram. Quem não se lembra do espaço 1999? Fez parte da infância e adolescência de muitos. Ficou retido no nosso imaginário. Depois, fomos crescendo e o nosso imaginário ia-se tornando real. A série sugeria-nos um mundo arrojado, futurista, virtual e inatingível. Com escassas possibilidades de se tornar real. Só que, com o passar dos anos, o virtual passou a real! Isto aconteceu pela via da significativa evolução tecnológica. O que é interessante observar é o que nenhum realizador de cinema ousou premeditar um mundo como o conhecemos, agora em 2020. Nenhum produtor, ou guionista se lembrou de conceber um filme de ficção que nos fechasse em casa. Um planeta inteiro suspenso, e refém de um vírus…
Se nunca nada foi igual, então como será depois?
Como serão os nossos comportamentos? E as nossas prioridades? O consumo desfreado continuará a ser o maior ratio de felicidade? Tenderemos a ser mais solidários? Existirá mais cooperação e menos isolacionismo? Ganhará relevância as teorias keynesianas? Ganhará força o federalismo na União Europeia? Haverá solidariedade no coração da Europa? Existirá União Europeia sem o Reino Unido? Se sim, será possível sem a Itália? Estará a Itália nas mãos dos Alemães? Existirá um plano Marshall à escala global? O teletrabalho será reforçado? O ensino à distância será uma oportunidade para o ensino digital? Serão eliminadas as desigualdades no acesso a recursos online? Será massificado o trabalho à distância com sistemas de videoconferência? Melhorará a sustentabilidade do planeta? O KPI (key performance indicator) das empresas serão redefinidos? As empresas equacionarão dar mais flexibilidade aos seus colaboradores com trabalho a partir de casa, diminuindo o congestionamento das cidades? As empresas passarão a investir em massa na robótica? Qual o papel dos robôs? Será dada primazia ao interesse coletivo à frente do individual? Na matriz ideológica, o neoliberalismo terá os dias contados? Apelaremos mais à supervisão e intervencionismo do estado? A globalização será interrompida?
Não temos ainda a respostas para estas perguntas. Sabemos que o problema gravíssimo de saúde publica e global, se vai resolver. Só não sabemos quando! Sabemos que existe um mesmo ponto de partida, à escala global. O problema não é só de alguns, mas de todos. Logo requer soluções concertadas e muitas delas globais. Todos os recursos são agora escassos. Desperdiça-los com preconceitos ideológicos, ou vaidades sociais, ou nepotismos, representará um caminho único de não retorno.
Como estamos?
Passou um mês após a primeira vítima mortal a lamentar em Portugal.
Existe um debate útil que se exige: quando poderemos reiniciar a economia? Agora que os números da pandemia na Europa estabilizam, e começam a baixar em alguns casos. Alguns exemplos diferenciados de descompressão proveem da Áustria, Alemanha, Noruega, Dinamarca, República Checa.
São os países nórdicos o exemplo a seguir nesta crise? Têm os países do sul, e os latinos, tudo para correr mal? a resposta a estas duas perguntas é afirmativa. Mas existe uma exceção : Portugal!
E porquê Portugal? Por uma razão simples: temos dado uma excelente resposta, e as coisas estão-nos a correr bem. Muito bem, diria! Temos nas unidades de cuidados intensivo 200 pessoas e cerca de 1200 internadas. O governo garante uma capacidade de 2000 camas. Se já passamos o pico ou estamos no planalto da pandemia, significa que estamos felizmente longe duma rutura, nos serviços saúde. Ora, parece estar afastado o cenário degradante para o ser humano, presenciado em Itália ou Espanha. Excelente “statement”! A seguir podemos ler, com relativo conforto, os ratios da epidemia. Tínhamos tudo para correr mal. Afinal temos uma fronteira com mais de 1200km com o país mais avassalado por esta crise. Afinal, e por uma vez que seja, não nos comparamos com os piores! São os melhores que se querem comparar connosco. A imprensa internacional não para de debitar elogios. O consenso político é notável. Admirável até. Exemplo último de união e patriotismo nacional!
Todos os intervenientes estão de parabéns! A começar pelos profissionais de saúde. Sem esquecer as autoridades de saúde e o governo. Extensível aos outros profissionais que continuam a garantir os mínimos na economia nos sectores e serviços básicos. Ainda aos que trabalham em “homeoffice”. E também a grande esmagadora dos que em casa cumpre na integra a quarentena e as medidas do estado emergência . “Job well done”!
Como vai ser?
Agora é tempo de passarmos a uma nova fase. Ainda não é tempo de trivialidades políticas ou debates públicos inúteis!
Agora que temos a luz no final do túnel, uma guerra parece ganha. Mas outra maior nos espera!
O que fazer? Como promover a reconstrução económica?
O que podemos reverter?
Como podemos planear a saída?
A primeira e simples resposta é: com a normalidade possível.
O regresso rápido à normalidade constitucional. Ou as regras normais de um estado de direito. A luta pela dignidade humana. Pelas liberdades individuais. Os valores do humanismo democrático. Ora, aqui julgo não existirem riscos. Somos a civilização mais bem preparada da história para lidar com este “outbreak”. O desafio tem a ver com rapidez de repor estes valores. Este é o primeiro risco a ser eliminado. A narrativa da história será seguramente diferente da última grande pandemia: a gripe espanhola, dos anos trinta. Significou o fim de um período longo de democracia e o início dos regimes totalitaristas. Aqui temos todas as garantias que será irrepetível. A única falta de garantia, num futuro próximo, é a economia.
Que fazer então?
A normalidade possível, como por exemplo abrir escolas, livrarias, bibliotecas, restaurantes, cafés , teatros - abrir portas com todas as cautelas e medidas de contingência. Promover estímulos para sair à rua com segurança. Estender a abertura do comercio aos setores não alimentares. A abertura aos espaços francos ao ar livre, seria outra opção.
Sabemos que reabrir o país, não significa repor a economia de imediato. As medidas de contingência continuarão. As pessoas não vão lotar restaurantes e centros comerciais. Os espaços públicos não voltarão a ser preenchidos por grandes aglomerados de população. Terá o seu tempo!
Em analogia, seria como a Direção Geral de Viação decretar a não obrigatoriedade do cinto de segurança. Seguramente que a maior parte continuaria a utilizar. Confirmar-se um novo surto da epidemia, teria consequências muito duras. Desde logo, para a saúde publica, mas também para a confiança.
E a nossa galinha do ovos de ouro?
A abertura terá que ser progressiva. Por patamares. Nesta ascensão existirá sempre um problema: O turismo. Mais ainda no nosso País. Vejamos as seguintes constatações. A indústria do turismo parou. Cerca de 10% das empresas de alojamento e restauração admitiram que com este abalo já não voltariam a abrir. Este ano estava prevista a abertura de 51 novas unidades hoteleira em Portugal, com uma capacidade de cinco mil novas camas. Todos estes projetos foram adiados ou cancelados. O turismo representa 12% da riqueza criada. Vale 20% das exportações. E emprega direta e indiretamente cerca de 1 milhão de pessoas. Impressionante!
Julgo que só a vacina do vírus empurrará a retoma da indústria do Turismo. Sejamos pragmáticos. Mesmo que o vírus entre numa curva descendente, quantos de nós vamos marcar viagens de avião? Ou ferias no estrangeiro? Ou assistir a eventos com grande concentração de pessoas? Não vamos. Só o faremos, mesmo voluntariamente, quando a segurança for plena. Ora, essa segurança só será garantida com a vacina.
Como poderemos minimizar os estragos do turismo? Apenas por uma via: Turismo Interno. A situação será sempre de um enorme défice para o nosso país. Basta todos os outros países pensarem da mesma forma (turismo local). Temporariamente será irremediável. Não temos alternativa na otimização das estruturas existentes.
A solução passa pelo chavão : “Faça ferias cá dentro” . Mas não chega.
Requer-se uma aposta em que toda a indústria de produtos nacionais. Como adição ao turismo interno. O Turismo local seria como que o complemento para o consumo de produtos locais, que normalmente estão fora do circuito. Só assim poderemos aumentar a cadeia de valor. E por a economia a girar.
O que já está a ser feito ?
Que instrumentos e mecanismos as empresas têm hoje ao seu dispor para fazer face ao “lockdown”? A pergunta pode ser feita de outra forma: o que podem as empresas hoje fazer para evitar a insolvência mais tarde?
O primeiro problema é de tesouraria. Existem custos e não entram receitas. A primeira medida útil foi a décalage no pagamento de impostos. A seguir as empresas podem e estão a reagir à crise de duas formas. Através do layoff simplificado (suspensão temporária da atividade). Ou através do teletrabalho, na atividade económica que persiste, e que permite o “homeoffice”. O governo admite que aderiram ao layoff simplificado cerca de um milhão de trabalhadores. Os encargos anuais ascenderão a mil milhões de euros mensais. Aqui, devemos ser justos com o programa do governo de ataque à crise. Até porque é “benchmark” na Europa, na perspetiva das empresas e dos trabalhadores. O layoff simplificado ficou pronto na quarta versão. Demorou tempo. Poderia ser melhor? Sim . Mas por essa europa fora ainda se discute a versão final de layoff. Note-se as vantagens desta versão simplificada. As pessoas ficam em casa sem trabalho, e as empresas terão um custo inferior a 20% do salario total. As pessoas têm uma redução de salario de um terço . O que significa que o grande contribuinte é o estado, com cerca de 50%. Esta é, também, a forma de o estado fazer chegar o dinheiro às empresas, que ficaram desprovidas de receitas e atividade económica.
Para as empresas serem elegíveis têm que, naturalmente, cumprir alguns requisitos. O primeiro é dirigido às empresas que lhe foi suprimida a atividade devido às ordens das autoridades no estado de emergência. O outro requisito passa pela demostração de quebras de encomendas de pelo menos 40%, face ao período homologo ou do mês anterior. O que não será difícil de documentar, dada a paralisia quase plena da economia.
Esta é uma forma de alívio por parte das empresas face á sua folha salarial durante este período.
O problema aqui se vai colocar à posterior, quando as empresas reabrirem os seus negócios. Que economia vamos ter? As estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), não são animadoras, estimando que a pandemia vai suprimir 12 milhões de empregos. Na Europa significara uma redução de cerca de 10% das horas de trabalho. As perdas serão generalizadas em todos os sectores, mas mais ainda no setor do turismo. O grande desafio das empresas vai ser evitar a falência no pós layoff. A outra grande equação, é saber quantos empregados irão para o fundo de desemprego após este período.
Outras iniciativas. O plano escolar de ataque à crise é equilibrado. Em quase todos os Países o encerramento das escolas foi das primeiras medidas. Mas as medidas de regresso às escolas, têm sido destintas. No Reino Unido e França os exames de acesso ao ensino superior foram cancelados. Em Itália prevê-se que os alunos passem automaticamente de ano. Tudo isto não parecem modelos justos ou diferenciativos no mérito. Sem exames nacionais, contam as notas das escolas e colégios. Em Portugal o regresso presencial será aplicável aos anos letivos com disciplinas de acesso ao ensino superior. Parece sensato!
Outras medidas, como cortes por incumprimento das faturas da luz , água , gás e comunicações – são boas e entendíveis medidas. A questão é que o parlamento decidiu que os pagamentos vão ser restabelecidos no segundo mês posterior ao estado de emergência. Vamos ver com que liquidez.
O resgate de PPR’s sem penalizações durante o estado de emergência, é outra boa medida.
O que fazer a seguir?
Serão necessárias medidas abrangentes e que englobem todos. Espero que, último reduto, não seja pela via dos impostos! Se não existisse esta crise, a minha sugestão era a redução da carga fiscal pela via do superavit. Infelizmente já não vai ser possível. Nem no curto, nem no medio prazo. Deverá sê-lo logo que a economia dê sinais sólidos e consistentes. Em alternativa será preferível, por exemplo, o aumento temporário do horário de trabalho para o mesmo salário. É fundamental fazer um esforço para não reduzir o poder de compra das famílias. Só assim se evitam choques negativos do lado da procura.
As empresas e as famílias devem planear o período logo após epidemia. Gerir todas as possíveis reservas nessa fase. As eventuais poupanças, até. . Resistir nessa altura, significará vencer o futuro. Porque a partir daí a economia só pode crescer.
O que devemos combater?
É muito importante combatermos o vírus do medo. Não podemos deixar que o medo tome conta das nossas vidas. Todos somos seres politicamente ativos. Neste caso em prol da economia nacional e regional. Parece-me ser esta uma irreversibilidade para os próximos tempos. Com medo, não existe confiança. Sem confiança não existe consumo. Sem consumo não existe produção e investimento. Sem produção e investimento, não existe emprego, sem emprego não existe consumo.
O ciclo repete-se, e a economia afunda-se. Logo a solução passa atacar o elo inicial: o medo.
Esta é a questão fulcral. Os ódios são causados pelo medo. O medo inibe a felicidade. A esperança é o contributo de aniquilar o medo. A melhor manifestação de cidadania é combater o medo em prol da equidade, e fomentar a esperança.
O que podemos fazer mais?
Estamos a assistir à disrupção da economia. É urgente começar a pensar na transição para uma nova ordem Nacional e Internacional.
Esta disrupção rapidamente induziu na interrupção da globalização. As fronteiras fecharam. Os produtos de primeira necessidade no supermercados serão maioritariamente locais. O que pode ser interessante , em alternativa a este processo de (des)globalização. Vão existir vantagens na penetração, dos existentes produtos, mas também de novos produtos que poderão ser lançados, no mercado interno. Faz sentido uma mensagem forte de marketing nos próximos tempos: “o que é nacional é bom”.
Aqui vou mais longe. Descortino uma outra prioridade. Esta é uma oportunidade para definitivamente deixarmos de ser um País “low cost”. Isto é muito relevante. A oportunidade de valorizar a meritocracia, em prol do melhor que fazemos no nosso país. A criatividade na conceção de novos produtos. Existem muitas ideias no congelador, que não vingam porque são aniquiladas pelo efeito escala das grandes cadeias de distribuição. O turismo interno pode ser o veículo. O turismo é motor e acelerador de muitas outras atividades. Desde logo a agrícola. Mas também a requalificação de espaços urbanos e rurais. Para o turismo de habitação, e de habitação rural, por exemplo. Quando as fronteiras voltarem a abrir, poderemos ter um país mais competitivo pela via qualitativa. Com ideias novas e projetos inovadores, que poderão à posteriori serem massificados e exportados. Com métricas muito mais interessantes para a nossa economia. Um aumento decisivo na cadeia valor. Com mais valor acrescentado, incorporando: inovação, desenvolvimento, engenharia, promoção, design. Alterando o portfólio dos nossos produtos, estamos a estruturar a nossa economia para um patamar superior de competitividade e qualidade.
Uma reflexão.
Deixo uma reflexão , neste tempo de Pascoa.
Deus poderia ter livrado Jesus do sofrimento? Sim. Mas tinha para ele e para a humanidade um bem maior: a ressurreição. Sem a traição de Judas esse bem não existiria. Ou seja, paradoxalmente, o maior pilar de fé do catolicismo, assenta numa traição.
Ora, de aqui podemos estabelecer uma analogia. Uma transposição (para os crentes), ou até uma metáfora (para os não crentes): o vírus é o nosso Judas. Tirou-nos a nossa liberdade individual. Roubou-nos vidas, até.
Mas, também aqui, pode existir um bem maior para a humanidade, a extrair desta crise: o bem comum. O bem da solidariedade!
No início deste texto uma das perguntas era:” O consumo desfreado continuará a ser o maior ratio de felicidade?” Julgo que não. A solidariedade vai ser a chave de saída desta crise. O verdadeiro motor do progresso. Afinal, tudo é economia? Sim talvez, tudo vai ter à economia. Mas esta crise não nos vai dar alternativa à economia solidaria. E bem!
Joaquim Marques
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