A bazuca europeia. Histórica. E agora? - Por #Joaquim Marques
Este é o acordo mais relevante da União Europeia desde a sua formação a seguir á criação da moeda única.
Acordo histórico, portanto.
Afinal a Europa ainda tem coragem e imaginação para pensar em grande. Este fumo branco no Conselho Europeu, depois duma maratona de quatro dias, é disso prova.
Foi fácil, e deixou todos felizes? Já lá vamos.
Comecemos então por reter o principal. E o fundamental é simples de explicar: em plena crise, a Europa não se vai auto-suicidar. Reagiu! Não vai repetir os erros do passado. Existe uma vitoria coletiva e não uma dicotomia entre vencedores e vencidos.
É esta uma manifestação de força e solidariedade ?
Vamos aos números.
Pacote total: 1 824 mil milões de euros (750mil milhões para o fundo de recuperação para fazer face aos efeitos da pandemia, e 1 074 mil milhões para o quadro financeiro plurianual 2021-2027).
São números impressionantes nunca antes vistos. O orçamento europeu plurianual aumenta 12% (Portugal aumenta 37%) num período de 7 anos. Este é como o orçamento regular da União Europeia, pois apoia as despesas em investimento publico, mas também de formação, educação, projetos sociais, e apoio empresas na I&D – isto principalmente nas regiões com um PIB abaixo da média comunitária.
Já os 750 mil milhões de euros aprovados para o fundo de recuperação intitulado “Next generation EU”, são verdadeiramente disruptivos. Desde logo reconhecer que esta resposta à crise é, em termos relativos, superior à resposta dos Estados Unidos ou da China. Isto vale muito!
Julgo interessante fazer o “walk the talk ” com o que foi dito.
Que diferenças afinal para o plano da Comissão Europeia e balizado pelo eixo Franco- Alemão?
O teto do fundo é o mesmo (750mm). A diferença é que as subvenções passam de 500mil milhões para 390 mil milhões, o restante sob a forma de empréstimos. No entanto estas verbas terão de ser aplicadas/gastas em três anos e não quatro como inicialmente previsto. Estes 750 mil milhões vão ser pela primeira vez financiados com emissão de divida pela Comissão Europeia.
Que conclusão?
Leio desta forma simples: estratégia muito bem delineada por Ângela Merkel (e sempre com a cumplicidade positiva de Macron – devemos relevar). Merkel subiu a fasquia de tal forma para depois poder dar um “rebuçado” aos frugais. Estratégia inteligente – colocar uma componente forte de subsídios a fundo perdido na proposta inicial, de forma a que o fundo final seja ainda significativo, apesar do “desconto” previsto dado aos frugais. Esta formula permitiu a todos cantar vitoria!
Interessante agora constatar que as subvenções a fundo perdido eram inicialmente estimadas em 250mil milhões. A iniciativa inédita do eixo Franco-Alemão surpreendeu ao ter anunciado 500mil milhões para agora poder ceder com os acordados 390mil milhões. Mas para gastar em 3 anos e não em 4 (vejamos o detalhe: 390 a dividir por 3 anos é mais que 500 a dividir por 4 ) o que quer dizer que existe mais dinheiro nos próximos 3 anos para atacar a crise.
Parece que todos ficaram contentes. Os frugais já podem “vender” as suas estórias aos seus eleitores. O que ficará na história deste histórico acordo são os números finais.
É este um bom ou excecional acordo?
Existem 7 razões, na minha opinião, que fundamentam este ser um acordo excecional e inédito, não só no curto e medio prazo, mas decisivo para o futuro a longo prazo :
A Primeira razão tem a ver com a emergência de liquidez a injetar na economia. É preciso compensar a destruição de valor económico causado pela pandemia, e simultaneamente estimular um procura deprimida. Só assim se poderá evitar uma espiral recessiva.
A segunda razão advém do modelo de financiamento do fundo de recuperação. Não pelas habituais dotações dos Países, mas sim da emissão de títulos de divida pela comissão europeia. Está quebrado o tabu. Afinal a União Europeia que tanto rejeitou os eurobonds ou qualquer mutualização de divida, está predisposta a emitir divida em conjunto. Pela primeira vez no mercado existirá um mercado de divida europeia. E julgo que será uma divida apetecível ao investidor. Terá as garantias dos estados da União Europeia. Prevejo um premio de risco/ juro baixo, mas mesmo assim superior ao retorno dos investidores com divida alemã. Recordo que em algumas emissões os investidores pagam para deter divida Alemã (juro negativo). Quer isto dizer que continuará a existir a garantia Germânica, mas com um juro mais atrativo ao investidor.
A terceira razão tem a ver com o pagamento da nova divida que a União Europeia vai emitir. O mais obvio seria através da única receita da União Europeia: as contribuições dos estados membros. Mas com este acréscimo de divida vai existir uma pressão positiva para criar um novo imposto. E esta é uma potencial boa medida dado que pode taxar fundamentalmente as emissões de carbono e os lucros gerados por empresas digitais sem uma clara base geográfica.
A quarta razão poderá ser, na minha opinião, o caminho para uma harmonização fiscal na União Europeia. Se existe uma divida comum que terá que ser financiada por receitas comuns, tende que exista uma convergência nos impostos. A ausência desta harmonização fiscal é no meu entender o maior falhanço da política europeia. Em vez de convergência fiscal, têm-se promovido protecionismos económicos que induzem num incompreensível fosso fiscal entre os Estados Membros. Ora, esta é a via direta que leva à não competitividade de alguns países, pela não atratividade de investimento externo. A outra boa hipotética notícia é que este pode ser um veiculo para abolir as transferências de lucros para offshores, ou paraísos fiscais.
Quinta razão, este é o caminho para um verdadeiro governo europeu, não necessariamente ou ainda para a constituição dum estado federal. Mas é uma das vias para o federalismo. Uma Comissão Europeia que emite divida, que gere a divida em consonância com as futuras receitas, é uma Comissão Europeia com autonomia de atuação e gestão. Isso poderá ser um marco decisivo, na influência geopolítica da UE num mundo cada vez menos permutativo e mais modificativo. Sabemos que esta é outra falha do projeto europeu. Não existe uma voz afirmativa e influenciadora à escala global.
Sexta razão, nenhum estado membro da EU poderá colocar a moeda única em risco de rutura. Isto porque o risco de incumprimento diminui significativamente, já que nenhum país se vai financiar no mercado sozinho. O que no caso dos que já detêm um divida elevada, seria a repetição do desastre da última crise, porque novamente permeáveis e expostos aos “glutões” do mercado, que seguramente pediriam um premio de risco elevado, em troca de financiamento. Lembramo-nos na crise das dividas soberanas e o juro estratosférico que era requerido à Grécia em algumas maturidades.
A forma encontrada de financiar este fundo evita a humilhação de uma nova troika, e uma fórmula errática de austeridade num timing errático. Serão precisas políticas de estímulos à procura, e não austeridade para a deprimir ainda mais os choques negativos do lado da procura.
Sétima razão, (last but not least ). Esta é a oportunidade de reconverter a economia. Seguramente pela via das novas tecnologias, na digitalização, mas principalmente na Reindustrialização. A Europa deslocalizou a sua indústria para a China. Naturalmente as empresas fizeram-no para ganhar globalidade num mercado adicional de 1500 milhões de consumidores. Fizeram-no, legitimamente, para estender os seus lucros. Mas exagerou-se na dose, pois começou-se a produzir na China não só para o mercado local, mas principalmente para exportar a partir da China. Concebeu-se a China como a fabrica do planeta. Esta mega prioridade tem que ser efetiva, pois apela-se agora a uma nova economia. Este é o momento de inverter a estratégia e relocalizar na europa na sua capacidade produtiva.
E o nosso País ?
Portugal vai receber um pacote de 45,1 mil milhões de euros - 15,3mil milhões de euros a fundo perdido, e 28,8 mil milhões no âmbito do quadro financeiro plurianual entre 2021 e 2027.
Claramente um dos vencedores. Vai receber um verba superior a 2% do total do fundo europeu, quando a riqueza nacional criada é menos de 2% da União Europeia .
Isto não é uma esmola, como os profetas da desgraça empolgam! Ninguém andou de mão estendida. Existem duas razões que abnegam essa tese: primeiro porque todos os Estados Membros são beneficiários deste fundo de recuperação, segundo porque é a comissão europeia que vai emitir divida , o que significa que todos são credores e garantia dessa divida.
Se esta é uma grande oportunidade para a Europa, julgo sê-lo mais ainda para Portugal. Esta bazuca de dinheiro é uma oportunidade de fazer diferente. Não repetir erros. Todos nos lembramos de erros na aplicação de fundos como o FSE(Fundo social Europeu), PEDIP,..
Este dinheiro deve ser aplicado em bons projetos. Existe um focos em dinamizar de imediato a economia dado o rasto de crise económica da pandemia, mas o principal foco deverá ser a primazia a um novo modelo económico, que contribua para a competitividade do Pais. Para a restruturação do portefólio de alguns produtos. Só assim advirá criação de riqueza, crescimento do PIB, convergência europeia e consequente melhoria das condições de vida. Não teremos outra oportunidade para demostrar que Portugal já não é um país de low cost.
(Até porque senão fizermos reformas, temos que devolver o dinheiro.)
Tudo isto é positivo, mas este dinheiro perderá a sua mega utilidade se o mesmo for para tapar buracos como o Novo Banco. Ora, mais do que nunca se exige escrutínio, disciplina e supervisão. O problema é deixar que os buracos sejam constituídos, e não a necessidade de tapá-los para evitar contágios ou um mal menor. Há que evitar a “toxidade” dos projetos a aprovar. Nada é mais fulcral, a boa ou má execução dos projetos em prol da retoma da atividade económica.
Este planeamento criterioso deverá se coadunar com a nova revolução digital que está à porta, bem como as alterações climáticas. Nós que até estamos na “pole position” da transição energética, bastará reforçarmos a aposta com novos projetos aos quais não faltarão agora dinheiro(!). Se tudo existe o que pode faltar?! O que não poderá faltar é coragem política para dizer NÃO aos habituais predadores dos dinheiros públicos, e a projetos sugadores dinheiro que nada contribuem para a competitividade da economia nacional.
Se este é o caminho e se os fundos são os meios, então a ambição deve ser colocar a economia portuguesa num patamar próximo da média europeia, e que possa competir com a concorrência num mercado aberto.
Se formos neste sentido, e se adicionarmos transparência, eficácia, ética, vontade reformista, então espera-nos um país extraordinariamente melhor. Porque não ambicionar o topo da Europa?
Joaquim Marques